As prateleiras de supermercados revelam como determinados produtos nacionais estão sendo substituídos por importados
Lu Aiko Otta e Renato Andrade - O Estado de S.Paulo
A desindustrialização, tema explorado pelo candidato do PSDB, José Serra, nas eleições, não é algo que se detecte facilmente nas estatísticas. Dados mostram uma indústria em desaceleração, mas ainda vigorosa. Mas uma simples visita a hipermercados é suficiente para ver que, em certas categorias, os produtos "made in Brazil" são cada vez mais raros nas prateleiras.
Em agosto, a produção industrial do País registrou uma queda de 0,1%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas o resultado acumulado nos oito primeiros meses do ano mostra um avanço na casa dos 14,1%. No mesmo mês, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) registrou aumento de 0,5% nas horas trabalhadas e de 0,8% no emprego, embora o faturamento tenha caído 0,3%.
Outros números, porém, mostram que há algo errado. O consumo do brasileiro cresce a taxas de 8% a 9%, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) se expande a 7%. A diferença é suprida por importados. O comportamento dos saldos comerciais de diversos setores da indústria também reforça essa percepção.
No setor de eletroportáteis, um dos mais afetados pelos importados, muitas marcas conhecidas dos brasileiros já não fabricam mais alguns produtos. Preferem trazê-los do exterior e só comercializá-los.
Comparações. Uma visita a um hipermercado foi suficiente para o Estado constatar que nesse segmento o produto "made in Brazil" é raro. De oito modelos de cafeteiras elétricas à venda, apenas dois eram brasileiros. As três opções de máquinas de café expresso eram chinesas. Também eram originários daquele país os três modelos de sanduicheira elétrica e os três de torradeiras. Entre os 15 ferros de passar, 6 eram brasileiros. Havia dois importados da Malásia e dois de Taiwan. Os demais eram da China. De 17 liquidificadores, 10 eram importados, havendo entre eles um modelo trazido do México.
"Temos evidências importantes que demonstram que há, sim, desindustrialização", diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato. Em 2005, 15% do faturamento do setor vinha dos produtos importados. Em 2010, essa participação está em 20,7%. "Isso demonstra que estamos aumentando e muito a quantidade de produtos acabados importados."
Segundo o vice-presidente de operações para América Latina da Stanley Black&Decker, Domingos Dragone, o processo de desindustrialização no segmento de atuação da empresa foi iniciado em 2005 e vem se acentuando desde então. Há dez anos, 80% dos produtos vendidos pela companhia no mercado local eram fabricados no Brasil. Atualmente esse porcentual é de 50%. A unidade de eletrodomésticos portáteis deve responder por 43% dos R$ 500 milhões de faturamento estimado pela empresa no Brasil em 2010.
Câmbio e os custos envolvidos na fabricação de produtos no País são os fatores apontados pelo executivo para justificar a mudança no perfil de produtos vendidos pela Black&Decker. "Estamos vivendo efetivamente um processo de desindustrialização. A indústria, por mais que se reinvente, tem sérias dificuldades para se manter operando com mínima lucratividade", afirma Dragone.
DVD importado. Hoje, 87% dos aparelhos de DVD comercializados no Brasil são importados. "E esse produto já foi carro-chefe de muitas indústrias grandes daqui", observa o presidente do Sindicato da Indústria de Aparelhos Elétricos, Eletrônicos e similares de Manaus (Sinaees), Wilson Périco. "Não vemos fábricas fechando porque elas estão fazendo outras coisas."
A indústria de iluminação também corre risco de desindustrialização, avalia o diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Iluminação (Abilux), Marco Poli. O alto custo de produção no País, os incentivos concedidos pelas economias desenvolvidas à sua indústria e o dólar barato são as ameaças. "Descompassos têm de ser corrigidos para melhor utilizar os potenciais do Brasil", observa.
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