sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Tragédias levam Haiti a mudar sistema eleitoral



Número de mortos por terremoto e surto de cólera cresce tão rápido que governo é obrigado a adotar um índice-padrão de corte na lista de eleitores

João Paulo Charleaux - O Estado de S.Paulo
A eleição presidencial haitiana vai inaugurar no dia 28 um dos um sinistro mecanismo de cálculo para a formação do coeficiente eleitoral. Para acompanhar o ritmo vertiginoso das mortes provocadas tanto pelo terremoto de janeiro quanto pela epidemia de cólera, o governo resolveu aplicar uma dedução de 7% sobre o total dos votos válidos - automaticamente.
O porcentual acompanha um decréscimo-padrão por mortes registrado desde 2005 sobre o total de eleitores do país, que hoje é estimado em 4,7 milhões. E como a eleição para renovar dois terços do Senado e a totalidade dos assentos da Câmara é definida, como no Brasil, pelo sistema de voto proporcional, cada departamento (Estado) haitiano poderá ter um índice próprio de dedução dos votos por estimativa de mortes. A conta obedecerá ao critério de exposição de cada departamento aos efeitos das múltiplas tragédias que têm atingido o país mais pobre da América.
A criativa e complexa engenharia eleitoral está sob responsabilidade dos órgãos governamentais haitianos, com forte apoio da Organização dos Estados Americanos (OEA). O brasileiro Ricardo Seitenfus coordena o projeto em Porto Príncipe e acredita que esta é a única forma justa de contar os votos. "No Haiti, morto não vota. Em outros países, pode até haver fraude com título de eleitor morto, mas no Haiti estamos fazendo de tudo para que o resultado não seja contestado", disse ao Estado.
A preocupação é justificada. Só no terremoto de 7 graus na escala Richter que devastou o país em janeiro, quase 300 mil haitianos morreram e outros 1,5 milhão ficaram desabrigados.
De acordo com estimativas divulgadas pela OEA, quase 150 mil eleitores perderam seus títulos na tragédia. Para compensar a perda, Seitenfus pôs vários funcionários da OEA nos campos onde estão os desabrigados da capital para fazer um recenseamento dos eleitores. O resultado é uma demanda de 450 mil novas cédulas eleitorais, que já foram impressas numa gráfica de Nova York.
Mas os contratempos provocados pela epidemia de cólera que castiga os haitianos são tão grandes que obrigaram a companhia aérea American Airlines a dar prioridade ao embarque de remédios, deixando as novas cédulas esperando na fila, no aeroporto.
Disputa acirrada. Quatro dos 19 candidatos à presidência lideram a disputa no Haiti. Nenhum deles tem mais de 25% das intenções de voto, de acordo com as pesquisas disponíveis. A líder é Sabine Manigat, com 23%. Em seguida, está a candidata apoiada pelo presidente René Préval, Jude Célestin, com 21%. Analistas dizem que a decisão só deve ocorrer no segundo turno, marcado para janeiro.
Ontem, o governo disse que pelo menos 305 pessoas já morreram de desidratação aguda, provocada pela cólera no Haiti. Outros 4.649 doentes estão hospitalizadas com diagnóstico da infecção. A maior preocupação é com o avanço rápido da doença, que havia mais de cem anos não era registrada no país. Só nas últimas 24 horas, 13 pessoas morreram. A maioria dos casos ocorreu no Departamento de Artibone, região central do Haiti. Em muitos hospitais, os pacientes estão acomodados no chão. 

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