Segundo a CVM, única condição é que material deveria ser analisado pela autarquia antes da veiculação; textos derrubaram ações
Leandro Modé, de O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) informou na quarta-feira, 13, que as instituições financeiras que participaram da megacapitalização da Petrobrás poderiam ter divulgado análises sobre a oferta durante o período em que a operação ainda estava aberta.
Semana passada, os bancos Itaú e Morgan Stanley causaram polêmica ao publicar relatórios negativos sobre a estatal logo após o encerramento oficial da transação. Ambos estavam entre os coordenadores da oferta, a maior da história mundial, que movimentou R$ 120 bilhões. Cada negócio desse tipo origina comissões de 0,5% a 2% do valor do negócio – no caso, entre R$ 600 milhões e R$ 2,4 bilhões.
Para críticos, as instituições incorreram em conflito ético porque venderam as ações aos investidores e, logo depois, indicaram que se tratava de um mau negócio. Os maiores prejudicados seriam os pequenos poupadores.
"Não posso crer que um banco ‘descobriu’ que não era um bom investimento assim que acabou o período de silêncio", disse Marcello Klug Vieira, sócio da área de mercado de capitais do Salusse Marangoni Advogados e membro do Comitê Jurídico Consultivo da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). "Isso configura conflito de interesses, conflito ético."
As ações da Petrobrás caíram fortemente ao longo da semana passada sobretudo por causa de relatórios desfavoráveis à empresa. O Itaú rebaixou a recomendação para os papéis de "desempenho acima da média do mercado" para "desempenho conforme a média do mercado".
O Morgan Stanley reduziu o chamado preço-alvo para as ações (ou seja, acredita que, no fim de 2011, valerão menos do que se esperava antes), mas manteve a recomendação "acima da média do mercado".
Apesar das diferenças entre si, os dois textos foram citados por operadores de mercado para explicar o desempenho das ações na semana passada – os papéis ordinários (ON, com direito a voto) perderam 5,2% e os preferenciais (PN), 5,5%.
O banco inglês Barclays e o suíço UBS também rebaixaram a estatal, mas, diferentemente dos outros dois, não estiveram entre os líderes da megaoferta.
Temor
Procurados pelo Estado, o Itaú e o Morgan Stanley não quiseram se pronunciar. No entanto, fontes do mercado que pediram para não ser identificadas afirmaram que os bancos não divulgaram relatórios durante o andamento da operação por temer a reação da CVM.
Por meio da assessoria de imprensa, a autarquia deixa clara sua posição, que contraria o argumento dos bancos. "Pensamos que é perfeitamente lícito que as áreas de pesquisa (research) devidamente segregadas, mas pertencentes ao mesmo grupo (ou à mesma instituição), que participam de uma oferta pública divulguem relatórios de análise avaliando o emissor e seus valores mobiliários, desde que sejam apresentados à CVM", diz a nota.
Em outras palavras, o regulador entende que o banco pode divulgar um relatório desde que o material seja analisado por seus técnicos antes da divulgação para o mercado.
Outro argumento dos bancos é o de que a oferta, por ser global, também envolvia a interpretação de reguladores de outros países, como a Securities and Exchange Commission (SEC, a CVM dos Estados Unidos).
O Estado entrou em contato com a instituição, que informou que não poderia se pronunciar especificamente sobre a operação da Petrobrás. Um porta-voz da SEC explicou apenas que a análise depende das circunstâncias e varia caso a caso.
Uma fonte de mercado observou ainda que, informalmente, analistas de bancos já conversavam com clientes sobre a operação e o futuro da Petrobrás.
Por tudo isso, especialistas acreditam que a regulamentação deve ser aperfeiçoada. O educador financeiro Mauro Calil, por exemplo, defende que os bancos que participam de uma oferta pública sejam obrigados a manter na carteira ações da empresa para a qual estão trabalhando por ao menos um ano.
"Digamos que, na semana passada, fundos de investimento de bancos de varejo tenham vendido papéis da estatal depois da divulgação dos relatórios. Uma norma diferente da atual evitaria isso", pondera Calil.
Para Klug Vieira, o chamado período de silêncio (pré-operação) deveria ser revisto pela CVM. "Sou a favor desse período, mas acho que, em algumas ocasiões, os investidores acabam sendo privados de informações importantes."
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