quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O BNDES e os juros


O Estado de S.Paulo

O crédito ficou mais caro para a maioria dos tomadores de empréstimos, em julho, e dessa vez o responsável não foi o Banco Central (BC). Os meios de pagamento aumentaram 1,8% - houve mais dinheiro no mercado - e o crédito ao setor privado cresceu 1,2%. Mas os juros subiram, assim como os spreads, a diferença entre o custo de captação pelos bancos e a taxa cobrada na concessão dos financiamentos. A explicação oferecida pelo chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, envolve outra entidade estatal, o BNDES. Não há nesse comentário nenhuma acusação. Apenas se aponta uma consequência da divisão do mercado entre duas diferentes fontes de financiamento.
De junho para julho os juros médios cobrados de pessoas físicas subiram de 40,4% para 40,5% ao ano. Para as pessoas jurídicas o aumento foi de 23,5% para 24,3%. No primeiro caso, o spread passou de 28,6% para 28,9%. No outro, de 16,9% para 18,1%. Pode-se encontrar pelo menos boa parte da explicação na diferença entre o crescimento das operações do BNDES e a expansão dos empréstimos bancários oferecidos com recursos livres.

No primeiro caso, o saldo dos empréstimos em julho foi 4,7% maior que o do mês anterior e 45,4% superior ao de um ano antes. No outro caso, as variações foram muito menores - 0,4% e 11%, respectivamente. Empresas maiores e de menor risco migraram para o BNDES em busca de custos menores, segundo Altamir Lopes, e o aumento dos spreads cobrados pela maioria dos bancos foi uma reação a esse movimento. As taxas foram ajustadas ao novo quadro de clientes, formado na média por empresas menores e de maior risco, que geralmente pagam juros mais altos.

O BNDES atende normalmente clientes grandes - entre os principais tomadores de seus empréstimos estão os Grupos Petrobrás e Eletrobrás e várias das maiores companhias privadas. Empresas pequenas e médias consideradas de primeira linha também têm acesso aos financiamentos, mas em condições menos confortáveis, porque normalmente dependem da ação de bancos intermediários. Entre julho do ano passado e junho deste ano, 72% dos desembolsos foram destinados a grandes clientes.

Para a maioria das firmas pequenas o BNDES é uma fonte de crédito inacessível. Também isso dificulta imensamente o crescimento e a modernização das companhias de menor porte. São discriminadas no mercado e têm muita dificuldade para se aproximar da maior fonte nacional de empréstimos de longo prazo.

A seletividade como critério geral não impede, no entanto, alguns maus negócios. Clientes grandes especiais também enfrentam dificuldades, como ocorreu com o Frigorífico Independência, forçado a pedir recuperação judicial poucos meses depois de receber um empréstimo de R$ 250 milhões.

Mas é preciso lembrar pelo menos mais um fator para explicar a migração de clientes para o BNDES. O banco aumentou sua presença no mercado de financiamentos mais comuns, como os empréstimos para capital de giro, e passou a concorrer fortemente com as outras instituições, como disse ao Estado o analista Alexandre Andrade, da Tendências Consultoria. Crédito para investimento sempre foi o foco do BNDES, mas sua presença no mercado de empréstimos típicos de curto prazo aumentou a partir da crise. Também isso contribuiu para o aumento de suas operações nos últimos 12 meses.

Esses fatos fornecem material para uma ampla discussão sobre a política de crédito. É preciso estimular a participação de outros bancos nos empréstimos para investimento - e o governo já indicou a intenção de propor medidas para isso, incluída uma revisão da carga fiscal. Mas convém repensar o estilo de operação do BNDES. O banco tem-se envolvido intensamente no financiamento de grandes grupos, geralmente capazes de conseguir recursos em outras fontes. Será função de uma instituição desse tipo apoiar, por exemplo, a compra de empresas no exterior? Será papel de bancos estatais ajudar a fusão de grandes empresas? É urgente cuidar desses temas.



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