sexta-feira, 30 de abril de 2010

Ivan Lessa: Jazz acabou em pizza



Colunista comenta o fim de mais uma casa dedicada ao jazz em Londres.

O jazz acabou. No Reino Unido. Nos Estados Unidos. Até mesmo na França o jazz (foi duro) acabou.

Segundo uma escola, o jazz acabou no dia 2 de setembro de 1998. De tarde. Outra, menos exigente, afirma que o triste evento se deu com a passagem do milênio. Uma escola muito pobre e triste chegou mesmo a dar uma nota em sua publicação trimestral, O Mundo do Jazz, intitulada Aqui Jaz o Jazz. Para verem como era democrática a instituição: até mesmo os mais curtos de inteligência eram aceitos e, na medida do possível, suportados. A última vez em que se fez jogo de palavra com o verbo "jazer" e a modalidade musical foi em São Paulo numa revista de sociedade em meados de outubro de 1963.

Voltemos ao réquiem. Esses caras que sobraram e que se dizem "jazzeiros" (a cunhagem é deles) tem tanto a ver com a música quanto eu com a astrofísica, conforme uma boa parte de estudiosos (também acabaram) afirmava, nasceu em Nova Orleans e, em particular, com King Oliver, Kid Ory e a inevitável, a assombrosa figura de Louis Armstrong. Sonny Rollins, a exceção que comprova a regra.

Sempre gostei de jazz. Vinha-me aos ouvidos e entranhas com a mesma naturalidade do samba e, apesar de chamado de, conforme Carmen Miranda, "americanizado" pelas alas politicamente corretas da época, eu e muitos, mas muitos brasileiros mesmo gostávamos e comprávamos os discos e esperávamos ardentemente que um figuraço daquele mundo tão distante quanto Marte nos fizesse uma visitinha pessoal ou, de preferência, uma excursão musical.

Lembro-me nos anos 50 de ir ver Xavier Cugat no Cine Odeon, no Centro do Rio, que nada, mas absolutamente nada, tinha a ver com jazz, mas, ao menos, deveria ter passado perto de, digamos, Stan Kenton ou Gerry Mulligan. Cugat tocou Begin The Beguine, fez graça e acabou contratando, diante de aplausos da platéia presente (eu lá, feito um idiota), um violinista brasileiro. Después se fué, para voltar a filmar na Metro, no finzinho de sua carreira e da de Esther Williams também.

Não muito tempo depois, cortesia do Departamento do Estado, veio Dizzy Gillespie com sua orquestra toda. Também se apresentou no Odeon. Bati firme o ponto e cheguei mesmo a dar uma peruada num almoço que o Adolfo Bloch ofereceu a ele e sua gente boa na sede da revista Manchete, à época situada na Frei Caneca.

No final dos anos 50, início dos 60, tudo quanto é cantor, influenciado ou não por jazz - e todo bom cantor é, de certa maneira, um cantor de jazz (inclusive Doris Day, mas isso é outro papo) - deu as caras e os pulmões no Rio. Coisas da noite e da grã-finagem leviana que a frequentava inquieta buscando novidades. Lá, no Rio, se apresentaram Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald, Billy Eckstine, Sammy Davis Jr., Roy Hamilton, Vic Damone, Billy Daniels. Gente que não acabava mais. Até que os grã-finos se cansaram e foram brincar de outra coisa. Era a vida deles. A nossa, apenas uma beirada.

Corte para Londres do fim dos anos 60. Aqueles mesmos anos das flores, da paz, do amor, dos bichos. Cá estavam o Ronnie Scott's, em Frith Street, no Soho, empreitada de dois músicos de jazz britânicos vidrados - é o costume - no gênero. Perdendo dinheiro e a muito custo trazendo todo mundo que era alguém para tocar no clube. Você pagava 5 libras na entrada, virava sócio e podia ficar no bar fazendo rendar o quanto desse uma cerveja ou um gim tônica.

Foi assim que vi quem valia a pena ser visto e, principalmente, ouvido. De Ben Webster, que teve a gentileza de me deixar pagar uma cerveja para ele, e ficou aos palavrões se queixando de Amsterdã e de que lá nada havia a não ser tomar cerveja e jogar sinuca o dia inteiro. Teve também... Os casos se multiplicam, as pessoas se confundem com eles. Dakota Staton, Count Basie, Zoot Sims, Buddy Rich e por aí afora.

Ronnie Scott, como todo mundo, como o jazz, inclusive e principalmente, morreu. Enterro concorrido. Babau o clube, babau o gênero.

Sobrou o Pizza in the Park. Ali em frente ao Hyde Park. Também porque o dono se chegava a um intérprete, em geral cantor com raízes no jazz. Cleo Laine, Johnny Dankworth, Claire Martin, Barbara Cook, Marlene Verplank, Bobby Short, todos eles eu peguei lá. A preços módicos. Garrafa de Valpolicella, pizza margherita, e estávamos conversados. Mais de uma vez, dei com Harold Pinter lá. Ou ele comigo.

Resumo da história: vai acabar o Pizza in the Park. Vão construir um prédio no local privilegiado em todos os sentidos. E o pouco que sobrou de música popular de qualidade ainda mais pobre ficará. Restam enganações feito Jamie Cullum, Diana Kral, Elvis Costello e uma turma danada de chatinha.

Assim caminha - ou se arrasta para o fim - a humanidade. Mais coisa a botar na lista de obituários e necrológios pessoais: jazz, cantores. Vai se vivendo. Se isso, sem aquilo, é vida.

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