sexta-feira, 30 de abril de 2010

STF rejeita revisão da Lei da Anistia

Mariângela Gallucci de Brasília - O Estado de S.Paulo
A anistia é ampla, geral e irrestrita. O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu ontem que a Lei de Anistia é válida e, portanto, é impossível processar penalmente e punir os agentes de Estado que atuaram na ditadura e praticaram crimes contra os opositores do governo como tortura, assassinatos e desaparecimentos forçados.

Depois de dois dias de julgamento, a maioria dos ministros do STF rejeitou ação proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que questionava a concessão de anistia a agentes da ditadura e propunha uma revisão. No debate, venceu, por 7 votos a 2, a tese defendida pelo relator da ação, Eros Grau, ele próprio uma vítima da ditadura.

Grau disse não caber ao STF alterar textos normativos que concedem anistias. O ministro observou que a Lei de Anistia resultou de amplo debate, que envolveu políticos, intelectuais e entidades de classe, dentre as quais, a própria OAB.

Na sessão de ontem, os ministros Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso seguiram o voto de Grau. Ayres Britto e Ricardo Lewandowski concluíram que a Lei de Anistia não poderia perdoar crimes hediondos e equiparados.

"O torturador experimenta o mais intenso dos prazeres diante do mais intenso dos sofrimentos alheios", argumentou Ayres Britto. "O torturador é uma cascavel que morde o som dos próprios chocalhos." Para ele, os torturadores são "tarados", "monstros" e "desnaturados".

Transição. Os ministros que votaram pela validade da Lei de Anistia fizeram questão de reprovar os atos de tortura e ressaltar que a sociedade tem o direito de saber o que aconteceu. Mas afirmaram que a anistia garantiu uma transição mais rápida e pacífica para o regime democrático.

"O Brasil é devedor desses companheiros, não de armas, mas da política. Aqueles que realmente acreditaram na via do diálogo e na política como forma de construir soluções", afirmou o ministro Gilmar Mendes.

Cármen Lúcia disse que era necessário levar em conta o contexto do período em que foi negociada a anistia. "Não vejo como julgar o passado com os olhos apenas de hoje", afirmou. O decano do STF, Celso de Mello, observou que a anistia brasileira foi bilateral. "A improcedência da ação não impõe qualquer óbice à busca da memória."

Ellen Gracie afirmou que a anistia, inclusive dos que praticaram crimes "nos porões da ditadura", foi o preço pago para acelerar a democratização. "Não se faz transição pacífica entre um regime autoritário e a democracia sem concessões recíprocas", disse. "Não é possível viver retroativamente a História."

Marco Aurélio Mello era contra o STF julgar a ação da OAB. Para ele, independentemente do resultado, o julgamento não traria efeitos práticos. "Nossa discussão é estritamente acadêmica, para ficar nos anais da corte", argumentou.

Na mesma linha, Peluso ressaltou que mesmo que o STF julgasse procedente a ação da OAB não haveria efeito porque os crimes já estariam prescritos. Disse também que só uma sociedade com elevados sentimentos de solidariedade é capaz de perdoar. "Se é verdade que cada povo resolve seus problemas históricos de acordo com sua cultura, sua índole, sua história, o Brasil fez a opção pelo caminho da concórdia."

Bonde. A OAB reagiu à decisão do Supremo. Para o presidente da Ordem, Ophir Cavalcante, a corte "perdeu o bonde da história". "Lamentavelmente, o STF entendeu que a Lei de Anistia anistiou os torturadores, o que, ao nosso ver, é um retrocesso em relação aos preceitos fundamentais da Constituição e às Convenções Internacionais."


Para entender

1.
O que é a Lei de Anistia?
Promulgada em 1979, a lei anistiou os cidadãos punidos por ações contra a ditadura - como funcionários públicos afastados de seus cargos, pessoas com direitos políticos cassados, ativistas presos ou no exílio. De acordo com a interpretação firmada na época, a lei também beneficiou os agentes de Estado acusados de violarem direitos humanos.
2.
O que o STF julgou?
O STF julgou uma ação na qual a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) questionou essa interpretação da lei.
3.
O que pediu a OAB?
Na ação, a OAB pediu que o STF definisse que a anistia só atingiu perseguidos políticos. Não se estendeu aos policiais e militares que, a serviço do Estado, cometeram crimes comuns como homicídio e tortura.
4.
O que acontece agora?
Continua vigorando a interpretação definida em 1979.

Nenhum comentário:

Postar um comentário