quarta-feira, 28 de abril de 2010

Uma MP abusiva

- O Estado de S.Paulo

O governo atropelou mais uma vez o critério de urgência para a edição de medidas provisórias (MP). Relevância e urgência são requisitos apontados na Constituição. O problema dos Estados impedidos de cumprir as metas de ajuste fiscal por causa da recessão é urgente. Tem sentido, portanto, livrá-los prontamente da proibição de tomar novos empréstimos. Só isso justifica a edição da MP 487, assinada na última semana pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O texto adapta à situação atual a anistia prevista na Lei 2.192, de agosto de 2001. A inclusão de três outros assuntos no documento corresponde a um contrabando legislativo, "truque" cada vez mais utilizado pelo governo Lula.

Pode-se até admitir a relevância desses temas. Não se pode, no entanto, enquadrá-los no critério da urgência. A MP autoriza a União a conceder subvenção econômica ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiamento da produção e da aquisição de bens de capital, da produção de bens de consumo destinados à exportação e da inovação tecnológica. Em outras palavras, o Tesouro concederá subsídios a certas operações do BNDES até o fim deste ano.

Pode-se, em princípio, argumentar a favor dessas providências. Há, também, bons argumentos contrários. De toda forma, só por uma subversão do sentido das palavras será possível classificá-las como urgentes. A MP 487 atualiza, nesse caso, uma lei aprovada no ano passado. Se o assunto foi tratado por meio de lei em 2009, por que não em 2010?

A demanda por aquelas operações ultrapassa a dotação de recursos. O banco já comprometeu R$ 40,6 bilhões. A ideia é reforçar o caixa com mais R$ 80 bilhões, elevando o total disponível para R$ 124 bilhões. A notícia é boa: empresários desejam investir. Mas há dois problemas.

O primeiro é de ordem fiscal. É inconveniente manter o Tesouro como grande fonte de recursos do BNDES, até porque o banco tem condições de levantar dinheiro de outra forma. Em todo caso, Tesouro Nacional e banco de fomento são órgãos diferentes, com atribuições diferentes. Confundi-los pode resultar em graves consequências.

O segundo problema é institucional. Não tem sentido converter em tema de MP qualquer dificuldade enfrentada por um banco estatal ou por qualquer outra empresa controlada pela União. Se esse procedimento for aceito, a regra constitucional irá de uma vez por todas para o ralo. O governo será estimulado a agir normalmente com base em seus critérios de conveniência e de urgência e a Constituição se tornará mera ficção jurídica. A divisão de papéis entre os chamados Poderes da República também será afetada, porque será inevitável a hipertrofia do Executivo.

A MP 487 cuida também de alterações no Fundo de Financiamento a Estudantes do Ensino Superior (Fies). O mérito, nesse caso, é menos evidente, e é estranhíssimo, para dizer o mínimo, o ministro da Educação pedir ao presidente uma MP sobre o tema. Mais estranho, ainda, é o presidente atender ao pedido. Aparentemente, ninguém leva mais a sério as normas para a edição de medidas provisórias e todo o processo se converteu numa baderna. Mas a explicação pode ser menos simples. Há pelo menos uma urgência identificável nesse caso: a dos interesses eleitorais.

Mas o BNDES não será a única empresa estatal beneficiada com recursos públicos, se a MP for aprovada pelos congressistas e convertida em lei. O texto autoriza certas operações com ações de propriedade da União e, além disso, permite o adiantamento de recursos a estatais para aumento de capital.

Várias possibilidades ficam abertas. O governo poderá capitalizar o Banco do Brasil e aumentar suas disponibilidades para financiamentos e também para a compra de outras instituições. Poderá também adiantar a capitalização da Petrobrás, para facilitar o avanço de seus investimentos no pré-sal. O governo disporá do Fundo Soberano, com recursos de R$ 16,9 bilhões, para operações desse tipo.

Nenhuma delas se enquadra no critério constitucional. Se a palavra "urgência" for entendida como mero sinônimo de "conveniência", o critério inscrito na Constituição perderá toda a relevância.

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