Algumas análises sobre as perspectivas da economia têm passado ao largo das possíveis repercussões da crise europeia sobre o Brasil, considerando reduzido o risco de comprometimento do crescimento econômico.
A preocupação central dessas análises é com o crescimento acelerado da demanda interna, com repercussões para a elevação da inflação. Como remédio, recomendam pé no freio monetário pela elevação da Selic ? posição preferida do Banco Central ? e/ou elevação dos depósitos compulsórios dos bancos ? posição recém-defendida pelo Ministério da Fazenda. Na área fiscal a preferência é pela contenção das despesas ou, caso a arrecadação federal continue forte, a elevação do superávit primário acima de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB).
Por essas análises podemos ser levados a crer que temos uma couraça macroeconômica protetora e somos uma ilha de prosperidade dentro de um mundo temeroso por uma nova crise que se vem espalhando rapidamente da Grécia para outros países da União Europeia (UE) e possivelmente de lá para fora da região.
O problema de uma recidiva internacional da crise é que o socorro dos governos ao setor financeiro não poderá se dar como em 2008, dada a elevada liquidez internacional, a forte deterioração das contas fiscais dos países desenvolvidos e pela reação da sociedade em aceitar pagar novamente a conta do sistema financeiro (moral hazard).
O reflexo da crise aparece primeiro no mercado financeiro, que continua nervoso com fortes oscilações, porém com tendência de queda nas bolsas em todos os países, por causa da retirada de aplicações de risco para colocar em títulos considerados mais seguros do Tesouro americano.
Admitindo que não sejamos atingidos pela nova crise, é natural esperar um crescimento maior neste ano em razão da queda ocorrida em 2009, e o tão temido impulso inflacionário parece que vem perdendo fôlego com os últimos dados divulgados. A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fipe recuou, da segunda para a terceira quadrissemana de maio, de 0,46% para 0,35%. Ainda é cedo para avaliar se terá continuidade o bom comportamento da inflação, mas é fato que as causas que a elevaram nos primeiros meses deste ano estão sumindo.
A estagnação dos países desenvolvidos, responsáveis pela maior parte do consumo mundial, está causando uma queda no preço internacional das commodities. Desde fevereiro, o índice CRB (Commodity Research Bureau), que mede o preço médio das commodities, apresenta tendência declinante. Alguns fatores explicam isso: recessão europeia, valorização do dólar perante as demais moedas, ampliação da oferta para um mercado mais retraído e maior concorrência entre os países fornecedores. Isso traz reflexos na redução da inflação externa e, segundo algumas análises, até riscos de deflação.
Entre agosto de 2008 (início da repercussão da crise) até março último, os preços dos produtos importados pelo País caíram 16,6% e está havendo uma recuperação mais acentuada da produção interna para atender à demanda. De fato, nesse período, em volume, a produção industrial para consumo cresceu 5,2% e para bens de capital, 5,4%.
Apesar dos elogios que o País teve com as medidas para enfrentar a crise, o ritmo de crescimento econômico que vinha na média anual de 2004 a 2008 em 4,8% sofreu uma queda de 0,2% em 2009, ou seja, a crise derrubou cinco pontos porcentuais do PIB. É por essa razão que, se não ocorrer repercussões da crise europeia sobre o Brasil, não é de estranhar que o crescimento neste ano se eleve para 7% a 8%, por causa da baixa base de comparação que foi 2009.
Caso a crise europeia se agrave, provavelmente nosso crescimento econômico sofrerá. Pela via comercial, teremos uma queda nas exportações para a União Europeia, que nesse primeiro quadrimestre representou 22,2% de nossas exportações, pouco abaixo do mesmo período de 2009 (23,1%). Nosso saldo comercial com a UE já caiu 53% nesse período: de US$ 1.595 milhões para US$ 744 milhões. A agudização da crise, com a redução do consumo nos países da região, e a desvalorização cambial do euro em face do real poderão reduzir ainda mais nossas exportações e inverter o saldo que ainda nos é favorável na balança comercial.
Ainda pela via das contas externas, deverão sair do País mais lucros e dividendos das filiais brasileiras para socorrer suas matrizes europeias, e os investimentos diretos do exterior sofrem forte redução. Caso se propaguem problemas bancários da região para fora, assistiremos a novas restrições no mercado de crédito brasileiro.
Embora mais preparados do que em 2008 para enfrentar nova crise, os riscos de contágio não podem ser desprezados, para não passarmos mais um ano patinando no desenvolvimento do País. Por cautela, talvez seja melhor, desde já, reforçar políticas de estímulo ao desenvolvimento mais do que temer o crescimento econômico, que é a base sólida para a continuidade da ascensão do consumo, da produção, dos investimentos, dos lucros das empresas (geradores da poupança), da solidez das contas públicas e da geração de empregos. É bom ficar mais de olho na crise.
É MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR
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