Israel assassinou dez pessoas de uma frota que levava ajuda humanitária para Gaza. A ação ocorreu quando os militares israelenses tentavam parar os barcos que seguiam para a costa do território palestino. Segundo o governo de Israel, os comandos teriam sido vítimas de linchamento por parte dos membros da denominada “frota da paz” que utilizavam “barras de ferro e facas”, segundo o Haaretz. Neste caso, onde supostamente haveria risco de os soldados morrerem, o Exército autoriza os disparos. De acordo com os primeiros relatos, não houve uso de armas de fogo por parte dos ativistas, aparentemente. Mas não tenho condições de saber quem diz a verdade e se as informações são corretas.
Israel teria condições de usar armas de efeito moral, e não letais. Há como evitar ataques de faca sem matar uma pessoa. Além disso, os israelenses haviam invadido uma embarcação e os tripulantes normalmente tendem a resistir em qualquer lugar do mundo. Porém não estava no barco e não sei como estava o cenário e até que ponto era questão de vida ou morte para os israelenses.
Claramente, episódio não precisava ter chegado ao ponto da confrontação. Conforme afirmou o jornal israelense Haaretz, o Exército de Israel poderia ter chegado a um acordo antes para apenas verificar a carga em alto mar e deixado eles passarem, e não obrigá-los a desembarcar na costa israelense. Seria uma iniciativa pró-paz e, certamente, a frota, que levava um Nobel da Paz, parlamentares europeus e um sobrevivente do Holocausto, não carregava mísseis para o Hamas. Sem falar que não são apenas armamentos que os israelenses banem de Gaza, mas também alguns alimentos banais.
Independentemente do que tenha ocorrido, a imagem de Israel já se deteriorou ainda mais em países da Europa e de todo o mundo, onde o governo israelense aos poucos começa a ser tratado como pária. A alta comissária da União Européia para Assuntos Internacionais pediu o fim imediato do bloqueio a Gaza. Dois integrantes da ONU dizem que a operação israelense foi realizada em águas internacionais – não sei se é verdade. A França e a Alemanha se disseram “chocadas” e os EUA lamentaram as mortes. Outros países convocaram embaixadores israelenses para prestar esclarecimento.
Jornais de São Paulo a Nova York, de Paris a Beirute, dão manchete para “Israel mata ativistas” nas suas edições na internet. É isso que os israelenses querem? A imagem de assassinos?
A frota era uma tática de propaganda de organizações pró-Palestina. Eles pretendiam mostrar ao mundo como funciona o bloqueio israelense. Em vez de lançar foguetes, como o Hamas, optaram por um ato de resistência pacífica – caso realmente não tenham usado armas, mas seria impensável um grupo de civis querer lutar contra os bem treinados soldados israelenses.
Não imaginavam, certamente, que Israel se superaria e mataria dez pessoas. No fim, os israelenses multiplicaram a importância do episódio. Na cabeça de muitos ao redor do mundo, Israel passou a ser “o mau” do conflito com os palestinos. Os ataques de foguetes realizados por organizacões palestinas são ignorados, mesmo porque, na Guerra de Gaza, o Hamas matou menos israelenses – por sua incapacidade, que fique claro – do que Israel ontem no ataque à frota da “paz”.
Segundo reportagem de capa da revista New York Review of Books, uma das mais prestigiadas dos EUA, as ações de Israel (sem incluir a de ontem, claro) estão levando à apatia dos jovens judeus liberais americanos, que não se identificam mais com os israelenses. Pesquisa do Comitê Judaico Americano indica que apenas 16% dos judeus adultos não-ortodoxos dos EUA se sentem “muito próximos” a Israel. O número cresce para 79% entre os ortodoxos. Entre os jovens, diz o texto, a diferença é ainda maior.
“Os governos israelenses vêm e vão, mas a coalizão de Netanyahu é produto de uma tendência de longo prazo na sociedade de Israel – uma população ultra-ortodoxa que cresce dramaticamente, um movimento de colonos crescente e envolvido na burocracia e no Exército de Israel e uma comunidade de imigrantes russa que é anti-árabe”, escreveu o professor Peter Beinart na revista, lida pela elite judaica de Nova York. E os jovens judeus liberais de Nova York não têm nada a ver com o Avgdor Lieberman. Esta figura radical, na chancelaria israelense, não representa a comunidade judaica americana, sempre defensora da democracia e da liberdade e, atualmente, eleitora de Barack Obama.
Uma pena que a Israel idealista, do kibutz, ficou para trás. Hoje a imagem de Israel é dos assentamentos e do Exército. O marco teria sido a Guerra de 1967.
Lembro que Israel retirou seus assentamentos de Gaza, mas mantém o controle aérea e marítimo. Também, com a ajuda do governo de Hosni Mubarack, do Egito, isola Gaza pela via terrestre.
OBS – Hoje as regras serão seguidas com rigor na publicação dos comentários
OBS 2 – Uso o Haaretz como fonte porque considero este o órgão de imprensa mais isento para tratar da questão. Primeiro, porque tem fontes dentro do governo israelense, como no palestino. Em segundo lugar, apesar de ser de Tel Aviv, sempre manteve uma postura crítica em relação ao governo de Israel, tendo uma pluralidade de comentaristas e sem cair no nacionalismo barato. Aliás, sempre admirei a liberdade de imprensa em Israel, apesar da censura para questões de segurança durante guerras.
Comentários islamofóbicos, anti-semitas e anti-árabes ou que coloquem um povo ou uma religião como superiores não serão publicados. Tampouco ataques entre leitores ou contra o blogueiro. Pessoas que insistirem em ataques pessoais não terão mais seus comentários publicados. Não é permitido postar vídeo. Todos os posts devem ter relação com algum dos temas acima. O blog está aberto a discussões educadas e com pontos de vista diferentes
O jornalista Gustavo Chacra, mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia, é correspondente de “O Estado de S. Paulo” em Nova York. Já fez reportagens do Líbano, Israel, Síria, Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Egito, Turquia, Omã, Emirados Árabes, Yemen e Chipre quando era correspondente do jornal no Oriente Médio. Participou da cobertura da Guerra de Gaza, Crise em Honduras, Crise Econômica nos EUA e na Argentina, Guerra no Líbano, Terremoto no Haiti e crescimento da Al Qaeda no Yemen. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires. Este blog foi vencedor do Prêmio Estado de Jornalismo em 2009, empatado com o blogueiro Ariel Palacios
Nenhum comentário:
Postar um comentário