Governo brasileiro critica tentativa de funcionários da Casa Branca de pôr em dúvida teor da carta enviada por Obama a Lula sobre pacto com Irã
O governo brasileiro ficou extremamente irritado com a tentativa dos Estados Unidos de desmentir a carta enviada pelo presidente Barack Obama ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em relação ao acordo de troca de combustível nuclear do Irã. Uma entrevista concedida ontem por funcionários americanos voltou a inflamar as divergências entre Brasil e Estados Unidos.
"Causa estranheza ouvir de representantes do terceiro ou quarto escalão do governo dos EUA frases que põem em dúvida o que a mais alta autoridade americana afirmou, por meio de carta, ao presidente de outro país", disse ao Estado um alto funcionário do governo brasileiro.
Na sexta-feira, funcionários do governo americano convocaram uma entrevista para esclarecer sua posição em relação ao acordo costurado pelo Brasil e pela Turquia com o Irã no dia 17. Segundo eles, o acordo é "inaceitável" e os EUA continuarão buscando a imposição de sanções contra o Irã no Conselho de Segurança da ONU. O Brasil esperava que o acordo fosse dar espaço a mais negociações com o Irã e adiar as sanções. O governo americano também tentou fazer um "controle de danos" causados pelo vazamento de uma carta enviada por Barack Obama a Lula em 20 de abril. Na carta, segundo o Itamaraty, o presidente americano estimulava o líder brasileiro a alcançar o acordo de troca de combustível nos mesmos moldes do proposto em outubro : o Irã se comprometeria a enviar 1200 quilos de seu urânio à Turquia, de onde ele seria enviado para ser enriquecido na Rússia e França, e devolvido depois de um ano para o Irã em forma de combustível para um reator de pesquisas médicas.
Defasagem. Mas, na entrevista de sexta-feira, os americanos disseram que o acordo fechado pelos brasileiros está defasado, porque os iranianos continuaram enriquecendo urânio desde outubro. "O tempo invalidou a proposta original e isso não foi considerado na declaração de Teerã", disse o funcionário americano.
O Itamaraty aponta que nada disso estava dito na carta, que mencionava os mesmos 1.200 quilos de urânio.
O canal de comunicação entre os dois países foi bastante prejudicado. Outra afirmação que irritou o governo brasileiro foi a de que a carta enviada por Obama ao presidente Lula não se tratava de "instruções para negociação". Os americanos disseram que nunca "pediram aos brasileiros que saíssem negociando em nome dos americanos".
"É ofensivo imaginar que o governo brasileiro consideraria uma carta de chefe de Estado estrangeiro como "instruções" para a atuação externa do Brasil. Mas a carta do presidente Obama deixa muito claro que o acordo de troca de urânio seria uma forma de criar confiança e avançar no tratamento da questão nuclear iraniana", disse o funcionário brasileiro de alto escalão.
O governo brasileiro não entende se houve arrependimento dos americanos em relação à carta, ou se há grandes divisões dentro do governo americano sobre a questão iraniana. Para eles, questões de política interna estariam se sobrepondo à orientação da política externa.
Lobbies. A secretária de Estado Hillary Clinton, mais linha-dura em relação ao Irã, também estaria sendo pressionada por lobbies dentro do país, importantes para arrecadação de recursos para a eleição legislativa de outubro nos EUA. Com isso, o país estaria abandonando seu viés mais negociador, diplomático, na questão iraniana.
O funcionário também disse que o chanceler Celso Amorim nunca achou que o acordo de troca de combustível resolveria todos os problemas em relação ao Irã. "Mas Celso Amorim reafirma que a Declaração de Teerã é uma porta de entrada para criar confiança e permitir a discussão dos temas de preocupação de ambos os lados." E declarou que a carta de Obama ia na mesma linha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário