O não às privatizações, que tanto sucesso fez nas eleições de 2006, é hoje uma zona de risco perigosa para a pré-candidata Dilma Rousseff. Ao entoar essa mesma cantilena, a ex-ministra não só se apresenta com um discurso envelhecido, surrado e ultrapassado, como expõe de maneira cruel o seu patrocinador.
Ainda assim, ela insiste. E toda vez que o faz falta com a verdade. Bate na falsa tecla de que seus adversários só não venderam a Petrobras, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil e Furnas porque a “sociedade reagiu”. E, sem qualquer constrangimento, diz que ela e o governo Lula são radicalmente “contra as privatizações”, como se elas não tivessem ocorrido também nos últimos sete anos.
O mais absurdo nessa discussão estéril - onde quem perde é o país - é tratar privatização como pecado capital, diante do qual o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o PSDB têm de se penitenciar. Se fosse, o presidente Lula também teria pecado. E por diversas vezes.
Além de concessionar por 25 anos mais de 2,6 mil quilômetros de estradas federais e 720 quilômetros da Ferrovia Norte-Sul, Lula passou para operadores privados as hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau e a linha de transmissão de energia que liga Porto Velho (RO) a Araraquara (SP). Vendeu para o Bradesco os bancos do Estado do Ceará e do Estado do Maranhão.
Para as rodovias, Lula inaugurou um modelo de concessão social – comemoradíssimo à época - com pedágios baixos, mas sem garantias de investimentos. O grupo espanhol OHL arrematou cinco dos sete lotes concessionados, incluindo filés mignons como a ponte Rio-Niterói, a Fernão Dias e a Régis Bittencourt. Essas duas últimas, como mostraram reportagens recentes, em estado lastimável.
Tal como feitiço virando contra o feiticeiro, a Ferrovia Norte-Sul foi parar nas mãos da Vale, a mesma ex-estatal que o presidente acusa de ter sido vendida na bacia das almas.
O governo Lula desenvolveu ainda um arrojado projeto de privatização dos aeroportos que seria muito bem-vindo devido à ineficiência da Infraero e à escassez de recursos para as urgentes reformas que a maior parte deles necessita.
O revés do plano foi não ter saído do papel antes do ano eleitoral. Afinal, transferências para a livre iniciativa de operações públicas acabariam por enterrar o discurso antiprivatista.
Vencido, o ministro da Defesa Nélson Jobim, até então um entusiasta do projeto, não inventou desculpas para a desistência: “Durante este ano eleitoral não haverá concessões, deixa aí para o próximo governo tratar do assunto”. Ainda assim, manteve a excepcionalidade para o aeroporto de São Gonçalo do Amarante, na região de Natal (RN), que deverá servir de teste para a modelagem sugerida pelos técnicos de Lula.
Ou seja, ressuscitar o não às privatizações em 2010 beira a desfaçatez. É optar por uma crítica feroz a algo que o governo de seu padrinho fez e continuará a fazer. Mas a ex-ministra parece não enxergar a inconveniência do tema para ela e, em especial, para o seu chefe. Parece também não perceber que ela não é Lula, hábil em criar constrangimentos ao adversário, e nem José Serra é o assustado Geraldo Alckmin de 2006.
Ao insistir nessa lengalenga Dilma ajusta a sua saia muito além do suportável. Melhor seria abandonar o bordão, a não ser que prefira escolher entre mentir ou mentir.
Mary Zaidan é jornalista. Trabalhou nos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo, em Brasília. Foi assessora de imprensa do governador Mario Covas em duas campanhas e ao longo de todo o seu período no Palácio dos Bandeirantes. Há cinco anos coordena o atendimento da área pública da agência 'Lu Fernandes Comunicação e Imprensa'.
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