Truques contábeis patrocinados pelo governo minam regras da Lei de Responsabilidade Fiscal, que completa 10 anos esta semana
Truques contábeis, muitas vezes patrocinados pelo próprio governo, estão atropelando as regras estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Considerada como um marco das finanças públicas, a falta de adoção de alguns mecanismos previstos desde 2000 tem contribuído para diminuir a força da lei, que completa dez anos de vigência esta semana.
Aprovada durante o governo Fernando Henrique Cardoso, a LRF foi incorporada como instrumento fundamental para garantir o equilíbrio das contas públicas até mesmo pela equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apesar da oposição feita pelo PT durante a tramitação do projeto.
"Num país onde existe lei que pega e lei que não pega, não tenho dúvida que essa lei pegou", diz Martus Tavares, ex-ministro de Planejamento do governo FHC e principal coordenador dos trabalhos que resultaram na lei. "Fomos felizes na escolha do nome, o conceito de responsabilidade pegou."
Apesar do consenso sobre a importância da LRF, algumas brechas têm sido usadas para driblar as limitações impostas ou maquiar resultados.
A decisão do governo de abater, sem limite, os recursos destinados ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da meta fiscal de 2011 é apontada por especialistas como o desvio mais grave patrocinado até agora contra os princípios da lei.
"Do jeito que ficou não tem mais meta", afirma José Roberto Afonso, economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e um dos principais colaboradores na formatação da LRF.
Retrocesso. Para o economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria, a decisão da equipe econômica de Lula prejudica o sistema de metas de superávit primário que já estava consolidado. "É um retrocesso mexer no arcabouço de regras estabelecidas. São pequenos assassinatos cometidos pouco a pouco."
Outra manobra muito utilizada pelo governo federal para driblar a LRF é o uso cada vez mais frequente de contratação de serviços diretamente com fornecedores, o que aumenta o volume de despesas contratadas em um ano, mas com pagamento para o exercício seguinte, o chamado "restos a pagar".
O grande problema é que essas despesas não são contabilizadas pelo Banco Central na hora de calcular a dívida líquida do setor público, o que camufla o verdadeiro tamanho do endividamento.
"Como a cada ano que passa aumenta ainda mais o "restos a pagar", isso gera uma diferença brutal", explica o economista José Roberto Afonso.
Há ainda uma questão de credibilidade. Apesar de não fazer, o governo federal exige de Estados e municípios que essas despesas sejam incluídas nos cálculos da dívida. "É a política do faça o que eu não faço", diz Afonso.
Pessoal. A regra de enquadramento das despesas com pessoal ao limite imposto pela LRF é uma das principais vítimas do que José Roberto Afonso classifica como "contabilidade criativa". A falta de uma definição clara na lei sobre o que são estas despesas abriu espaço para as manobras.
Pelas regras estabelecidas, esses gastos não podem ultrapassar o equivalente a 60% da receita corrente líquida. O problema é que a despesa com inativos nem sempre é incluída na conta, o que contribui para esconder os gastos reais.
"Cresceram as interpretações e as maquiagens, sob o olhar complacente ou ausente de muitas autoridades responsáveis pela fiscalização ou pelo acompanhamento das contas nacionais", diz Afonso.
Apesar das declarações de apoio à Lei de Responsabilidade Fiscal ao longo dos últimos anos, os atuais ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Paulo Bernardo, não quiseram falar com a reportagem do Estado sobre o assunto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário