A Europa terá de assumir o ônus da dívida grega para tapar as rachaduras no projeto do euro; a questão é como o grupo reagirá se outros países seguirem o mesmo caminho
THE WASHINGTON POST
Dois meses atrás, encostado à parede, o ministro das Finanças da Grécia escolheu uma metáfora curiosamente honesta para descrever os prognósticos para seu país: "Estamos basicamente tentando mudar o curso do Titanic." Desde a observação, esta tragédia grega moderna transcorreu de maneira muito parecida à que seu anti-herói profetizara: os investidores compreenderam que a Grécia havia se endividado mais do que poderia pagar, e assim elevaram as taxas de juros sobre títulos gregos, provocando uma espiral mortal. Em alguns momentos, a tragédia assumiu tons de farsa. Após o governo prometer aumentar a arrecadação do imposto de renda e continuar pagando suas dívidas, os funcionários públicos gregos entraram em greve - incluindo alguns coletores de impostos.
A questão agora é como muitos outros países europeus poderiam seguir o caminho da Grécia - e o que isso significa para a moeda comum da Europa. Inícios da mesma espiral mortal ameaçam as economias endividadas de Portugal e Espanha. Itália e Irlanda também parecem vulneráveis. Os líderes europeus hesitaram desastrosamente em decidir se salvariam a Grécia (e, por extensão, a outros). Apesar de terem progredido, com atraso, para um salvamento, a crise expôs falhas alarmantes na estrutura da moeda europeia.
O projeto do euro só pode funcionar se os seus membros forem improvavelmente virtuosos. Isso teoricamente significa que os governos precisam evitar um endividamento excessivo: países que usam o euro devem manter seus déficits orçamentários abaixo de 3% do Produto Interno Bruto - o que não fizeram. Mas a crise iluminou também uma segunda tentação: países na zona do euro devem impedir as companhias de elevarem com muita rapidez a remuneração dos trabalhadores, senão eles não conseguirão competir com os alemães, que seguram seus custos.
Dessas duas tentações - endividar-se demais ou pagar demais -, a primeira está atraindo todas as atenções, mas a segunda é a mais ameaçadora para o euro. Afinal, o governo que toma emprestado demais pode simplesmente dar o calote. Ele pode fazer isso esteja ou não dentro da união monetária.
Mas um membro da zona do euro que permita uma elevação dos salários de maneira insustentável não terá essa saída fácil. Ele não pode recuperar a competitividade pelo truque usual de desvalorizar sua moeda, porque já não tem uma moeda própria. Portanto, ele terá de competir achatando os salários, um recurso extremamente impopular que dificilmente funciona numa democracia. Oferecida uma escolha entre essa austeridade dolorosa e a saída do euro, não há muita dúvida sobre qual opção os eleitores fariam.
De mais a mais, mesmo que os trabalhadores pudessem ser persuadidos a aceitar cortes salariais, o remédio poderia perfeitamente fracassar também. Países pouco competitivos incorrem em déficits comerciais: eles compram mais de outros países do que vendem, e pagam pela diferença tomando emprestado de estrangeiros. Agora, o que ocorre quando um país endividado tenta se tornar competitivo forçando uma queda dos salários? Salários em queda significam deflação, e a deflação aumenta o encargo daquelas dívidas - quando se deve muito no cartão de crédito e nosso salário sofre uma queda súbita, teremos dificuldade com o próximo pagamento. Por causa dessa pinça dívida-deflação, países pouco competitivos e endividados precisam escolher entre o calote e o abandono do euro.
A Grécia - um modelo da armadilha dívida alta, salário alto - só permanece no euro sendo subornada para isso. Seus vizinhos têm de assumir o ônus das dívidas gregas para tapar as rachaduras no projeto do euro. Mas embora a Europa, com a ajuda do Fundo Monetário Internacional, tenha o dinheiro para salvar a pequenina Grécia, seria difícil sustentar uma economia maior, como a da Espanha. Assim como as autoridades americanas salvaram um pequeno banco de investimentos (Bear Sterns) mas vacilaram em salvar um maior (Lehman Brothers), os europeus poderão salvar a Grécia em nome do sistema e mesmo assim se exporem ao colapso do sistema.
A comparação com o Bear Sterns contém mais uma lição. O salvamento do Bear tranquilizou investidores induzindo-os à complacência: alguns sentiram que não precisavam se preparar para o colapso de outros bancos porque o governo impediria que ocorresse o pior. Mas o risco moral criado por um salvamento grego seria bem mais perigoso. O governo americano ao menos pode combater os efeitos de risco moral regulando a assunção de risco por bancos, As instituições europeias não podem disciplinar os Estados que as integram - registre-se o fato de que quase todos violaram o limite de 3% em seus déficits orçamentários.
As tentações gêmeas da zona do euro - tomar emprestado demais, elevar salários demais - já ameaçaram a coesão da união monetária. Mas, com a Grécia sendo salva de suas loucuras, as tentações ficarão mais fortes. Os investidores em salvamentos serão fortalecidos em suas convicções de que podem emprestar livremente a grandes gastadores, de modo que a gastança continuará. No fim das contas, algum país do euro se revelará grande demais para ser salvo, e o edifício do euro ruirá.
A dura verdade é que a opção da Europa ficou entre uma pequena rachadura no projeto do euro agora ou uma maior no futuro. Ao salvar a Grécia, ela pode estar fazendo a opção errada. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK
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