Sul-africana da área de direitos humanos afirma que desfecho foi ''muito ruim'' e recomenda que Brasil siga exemplo da Argentina
Jamil Chade - O Estado de S.Paulo
A decisão do Supremo Tribunal Federal de manter a Lei da Anistia no Brasil foi alvo de críticas na Organização das Nações Unidas (ONU). A principal autoridade para direitos humanos na entidade, a sul-africana Navi Pillay, condenou o desfecho do julgamento e pediu o fim da impunidade no Brasil.
"Essa decisão é muito ruim. Não queremos impunidade e sempre lutaremos contra leis que proíbem investigações e punições", disse a alta comissária da ONU para direitos humanos.
No ano passado, durante sua primeira visita ao Brasil, Pillay já havia afirmado que o País precisa "lidar com seu passado". Há dois meses, em um encontro com o ministro de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, voltou a falar do assunto em Genebra, dando apoio a iniciativas que levassem a um fortalecimento da ideia de acabar com a Lei de Anistia.
Pillay, que foi também quem julgou os casos de crime de guerra no Tribunal para Ruanda, confirmou que havia sido informada da decisão do Supremo e não disfarçava que não havia sido bem recebida na ONU. "Fiquei sabendo sobre isso hoje pela manhã", disse, em tom de desagrado.
Ela se disse surpresa com o fato de o Brasil estar seguindo direção diferente da adotada pela Argentina e por outros países latino-americanos no que se refere a investigações contra os responsáveis por torturas durante os regimes militares.
Peritos. No Comitê contra a Tortura da ONU, os peritos independentes também não pouparam críticas à decisão do STF. O comitê é formado por juristas de reconhecimento internacional.
"Isso é incrível e uma afronta. Leis de anistia foram tradicionalmente formuladas por aqueles que cometeram crimes, seja qual for o lado. É um autoperdão que o século 21 não pode mais aceitar", afirmou o jurista espanhol Fernando Mariño Menendez. "O Brasil está ficando isolado. Parece que, como na Espanha, as forças que rejeitam olhar para o passado estão prevalecendo."
"Há um consenso entre os órgãos da ONU de que não se deve apoiar ou mesmo proteger leis de anistia. Com a decisão tomada pelo Supremo, o País está indo na direção contrária à tendência latino-americana de julgar seus torturadores e o consenso na ONU de lutar contra a impunidade", afirmou o perito contra a tortura da ONU, o equatoriano Luis Gallegos Chiriboga.
Ele ressaltou ainda que não há prescrição para os crimes de tortura. "Sociedades que decidem manter essas leis de anistia, seja o Brasil ou a Espanha, estão deixando torturadores imunes à justiça de que tanto se necessita para superar traumas passados."
Outro perito do Comitê contra a Tortura, o senegalês Abdoulaye Gaye, também mostrou indignação. "Não há justificativa para manter uma lei de anistia. Se uma Justiça decide mantê-la, isso é um sinal de que não quer lidar com o problema da impunidade."
Pressão. Na ONU, cresce a pressão para que leis de anistia sejam abolidas em todo o mundo. Há poucos meses, a entidade recomendou à Espanha que julgasse finalmente os crimes cometidos na Guerra Civil. Sobre o Brasil, o tema da anistia está na agenda da ONU há uma década. Em 2001, um comitê da entidade sugeriu pela primeira vez ao governo brasileiro que reavaliasse a Lei de Anistia.
Em 2004, outro comitê das Nações Unidas voltou a levantar o assunto em uma reunião privada com o governo. A sugestão foi de que a lei fosse abolida.
O Comitê contra a Tortura da ONU ainda recomendou, em seu último relatório no início de 2008, que o Brasil lidasse com seu passado e abolisse a lei.
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